Sabático

O luto na Tailândia

Da série coisas que só acontecem com a Analu: tudo certo para eu ir pra Tailândia, passagem comprada, esquema de trabalho em troca de hospedagem acertado, lista dos locais que eu queria visitar definida, e pá! O rei morre.

Para ser sincera, eu nem sabia que a Tailândia era uma monarquia até então. Aí, estou eu muito bem na Malásia e acordo um belo dia bombardeada por mensagens do Brasil e marcada em 367 posts do Facebook sobre a morte do monarca e como as coisas mudariam em terras tailandesas por causa do luto. Quando li tudo (e sim, eu li TUDO que aparecia por medo, mas também pela falta do que fazer causada pelos dias de chuva que eu peguei), achei que o povo estava exagerando. Mas claro que quando cheguei por aqui, percebi que as coisas realmente estavam estranhas.

Para começar, todo mundo só está vestindo roupas pretas. Mesmo. Já tem quase um mês e as pessoas continuam vestindo preto. Quem usa uniforme de outra cor para trabalhar, coloca uma fitinha preta para indicar o luto. E parece que as lojas só tem peças pretas ou brancas (que é a outra cor aceitável, mas você vê em uma quantidade muito menor) para vender. Sorte minha que mais da metade do meu guarda-roupas é formado por modelitos dessa cor, mesmo que eles não liguem muito para o que os turistas estão usando (melhor evitar confusão).

Tem muitos “mini-altares” em homenagem ao rei em qualquer lugar. Na frente de prédios, nas estações de trem, nos shoppings, nos templos e museus, sempre tem uma foto enorme do rei rodeada de arranjos de flores.

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Ainda não entendi muito bem como funciona, mas para celebrar a benevolência do falecido, doações estão sendo recolhidas e distribuídas para população. Já vi água (mineral, na garrafinha, e gelada ainda por cima), comida, flores e vários tipos de brindes. Conheci um belga aqui no albergue que descolou um almoço completo sem pagar nada, e ainda ficou #chateado porque não conseguiu ganhar o guarda-chuva.

No que se refere às festas, as coisas estão mais confusas. Na teoria, era pra não ter nada pelo menos no próximo mês, mas o povo dá seu jeitinho. É verdade que várias boates estão fechadas, mas na infernal Khaosan Road (que merece um post só pra ela um dia) todos os estabelecimentos continuam abertos até altas horas. A tal da Full Moon Party foi oficialmente cancelada, mas ouvi dizer que as pessoas foram pra lá mesmo assim e como não tinha música, ficaram cantando num clima rave à capela.

E tem as interdições no trânsito que podem acontecer a qualquer hora em qualquer lugar para a passagem de algum carro oficial. E quando eu digo trânsito, isso inclui os pedestres na brincadeira. Quando eu estava prestes a atravessar a rua hoje para chegar mais próximo do Grand Palace (que por sinal, continua com uma parte fechada à visitação), um militar que estava fazendo a guarda simplesmente mandou que eu sentasse no chão. Gelei, achando que eu tinha feito alguma coisa muito errada, mas aí eu olhei em volta e vi que estava todo mundo sentadinho. Sentei também, fazer o quê? Uns minutos mais tarde, passou o carro onde estava o príncipe, e logo depois fui liberada para continuar meu caminho.

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Só mais alguns detalhes sobre esse episódio: 1)sentar com os pés apontando para frente é desrespeitoso, então o guardinha chamou a minha atenção para que eu sentasse com as pernas cruzadas “de chinês”; 2) eram três da tarde, um sol escaldante, abri a sombrinha para me proteger, mas também não podia; 3) óbvio que na hora de levantar, uma das minhas pernas estava dormente e quando o guarda percebeu (já que eu estava dando umas batidinhas com o pé no chão), ainda riu da minha cara, pode isso, Arnaldo?

Mas nem tudo são lágrimas, pelo menos não pra mim que estou visitando vários lugares sem precisar pagar pela entrada (viva a benevolência real!) e ainda descolei uma aguinha gelada “de grátis” numa tarde escaldante enquanto esperava o príncipe passar.

Chamando o Raul

Spoiler alert: Não leia esse post se você acabou de comer, está comendo, ou está pensando em comer alguma coisa daqui a pouco. Sério, melhor não. Depois não diga que eu não avisei.

Eu nunca tive problemas de enjoar no mar. Desde criança, sempre andei de barco, algumas vezes em situações pouco seguras (para ser gentil), e nunca tinha passado mal numa embarcação, mas para tudo há uma primeira vez na vida, não é mesmo?

O tempo em Penang, cidade onde eu estava havia alguns dias, não estava dos melhores. Chuvas torrenciais sem hora marcada todo dia. Às vezes de manhã para fazer você repensar na programação do dia, às vezes a tarde para fazer você voltar correndo mais cedo para o hostel, e até de madrugada para não te deixar dormir. Como o tempo simplesmente não melhorava, decidi ir para meu próximo destino, uma ilha quase na divisa com a Tailândia.

Indo de uma ilha para outra, nada mais natural que o meio de transporte preferencial fosse marítimo, logo não pensei duas vezes e comprei minha passagem de ferry para Langkawi. Ferry nada mais é do que uma barca, aquela embarcação grande, lenta e sem muita oscilação que todo carioca já pegou um dia para chegar em Niterói (ou na Ilha Grande de férias). Para que se preocupar então, certo?

Acontece que o que eu peguei definitivamente não era uma barca (apesar do que estava escrito no meu ticket). Era praticamente uma lancha bem grande e que se deslocava bem rápido. Super segura e confortável, é verdade, com ar condicionado e grandes janelas de vidro para a água não entrar, mas ainda assim não era bem o que eu estava esperando.

Percebi que em todas as fileiras, pendurados junto com os coletes salva-vidas, haviam saquinhos plásticos, e juro que eu achei exagero. Mesmo depois de começarmos o trajeto, e o balanço já começou logo no início, eu ri internamente quando o cara sentado na minha frente levantou para garantir um saquinho pra ele e esnobei o Dramin que eu tinha dentro da bolsa achando que iria ficar tudo bem.

Não ficou tudo bem. Depois da primeira hora de viagem eu estava um pouco enjoada, mas segurando a barra com dignidade, mesmo assim achei melhor assegurar um saquinho amigo para mim só por precaução. Estava tudo sob controle, até que a música que eu estava ouvindo para me distrair acabou e naqueles segundos de silêncio antes da próxima faixa começar a tocar, eu ouvi alguém vomitando, e a “Síndrome do Vômito Solidário” entrou em ação.

Lá se vai todo o meu almoço (poxa, eu estava tão feliz por ter comido direitinho e tão barato)! E nesse momento começa uma luta dificílima para botar tudo pra fora dentro do saquinho enquanto o barco continua balançando loucamente, em meio a uma sinfonia de pessoas de todas as idades, credos e nacionalidades chamando o Raul. Podem me dar uma medalha por não ter respingado em nada!

Foram ao todo três horas de viagem inesquecíveis, mas a prova de que eu não fiquei traumatizada é que no dia seguinte, adivinha qual foi o primeiro passeio do dia? Ir de barco conhecer as ilhas menores ao redor, claro! Mas dessa vez o mar estava calmo e o café da manhã pôde ser digerido com sucesso.

(Des)fazendo planos

Planos são ótimos. Eu amo fazer planos. Geralmente quando viajo, eu saio de casa com a programação de cada dia organizadinha com direito da planilha no Excel e tudo, mas nem sempre as coisas saem exatamente como planejado. Na verdade, RARAMENTE as coisas saem exatamente como o planejado quando se está viajando, mas em Kuala Lumpur eu com certeza bati o recorde de sair do roteiro planejado.

 

Tudo que podia dar errado já tinha acontecido naquele dia. Eu perdi a hora para acordar. Quando já estava pronta para sair, tive que voltar e trocar de roupa porque a recepcionista do albergue falou que de blusa sem mangas eu provavelmente seria impedida de entrar no templo para onde estava indo. Cheguei na estação com o trem partindo e tive que esperar 45 minutos pelo próximo. Finalmente chego no templo e ele está sendo restaurado, tudo em obras, e nas fotos só aparecem os andaimes. A mesma cena do trem partindo acontece para voltar e perco mais 45 minutos esperando na outra estação, só que dessa vez morrendo de fome porque não tive coragem de comer nada nas barraquinhas em volta do templo. Depois disso tudo, só consegui almoçar e voltar para o hostel para descansar.

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Tanta foto maravilhosa que eu podia ter tirado se não fossem esses andaimes malditos…

Mesmo depois de uma soneca, não estava a fim de fazer nada a noite, então bolei um novo plano: jantar um sanduíche rápido no Subway ali na esquina e voltar, tomar um banho e colocar o pijama para ver o filme que a Netflix fez questão de me mandar um email avisando que tinha entrado na programação. Que plano maravilhoso! Mas acontece que as coisas não são tão simples quando você está hospedada num albergue, rodeada de pessoas sociáveis de todos os lugares do mundo.

Quando estava saindo, um pessoal com quem eu troquei umas duas palavras no dia anterior me chamou para ir comer com eles. Como eles iam comer comida indiana (que eu nunca tinha provado), acabei decidindo ir junto. Estava ótimo o tal do butter chicken e o povo era super bacana, tão bacana que eles decidiram ir para outro lugar beber alguma coisa e, mais uma vez e mesmo não bebendo, eu resolvi acompanhar porque, na minha cabeça, eles iriam para algum barzinho continuar o papo. Corta a cena.

De repente estou eu, quase trinta anos na cara, vestindo short, camiseta e tênis de trilha, numa boate, rodeada por europeus muito animados, está tocando “Ai, se eu te pego” e a única coisa que passa pela minha cabeça é “Como cargas d’água eu vim parar aqui?!?” Sério, alguém me explica, porque já faz quase uma semana desse episódio e a sequência de eventos ainda não faz sentido pra mim.

Eu só queria ser antissocial e ver um filminho na Netflix, mas acabei socializando com meio mundo numa boate com direito a musica ruim e indianos fazendo coreografia, e chegando de volta no hotel às três da manhã. Planos, às vezes eles dão certo, às vezes não…

 

Pontos de vista diferentes

Outro dia, conversando sobre comida com o gerente do albergue onde estou hospedada, ele me perguntou se comíamos arroz no Brasil. Eu disse que sim, era super normal, mas que era totalmente diferente do jeito que eles preparam aqui na Ásia. Expliquei que o nosso arroz é temperado com alho e cebola e que ele não é assim grudadinho, ele é bem mais… Nisso, ele me interrompeu e disse “Seco?”.

É, bem, eu nunca usaria essa palavra para descrever o arroz que a gente come todo dia (aliás, saudades de comer arroz assim todo dia e de garfo), mas em comparação com a preparação deles, faz todo sentido. E aí fica fácil de entender que outras coisas que eu antes achava super estranhas, simplesmente não faziam sentido sob o meu ponto de vista.

Por exemplo, eu sempre ri e fiz piada ao ver esse tipo de aviso em banheiros por aí (foco na terceira ilustração):

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“Gente, mas quem iria pensar em fazer isso no vaso?” “Não pode ser coisa de gente normal.” “É sério que precisa pedir para não fazerem isso?”

Só que tudo fez sentido pra mim depois que eu me vi forçada a usar o banheiro asiático. É essa a posição que eles fazem para ir ao banheiro todos os dias. Privada é uma coisa que se tem em hotéis e lugares frequentados por ocidentais. Pelo menos na China é assim, e pelo que tenho lido, é o mais comum em vários outros países asiáticos.

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O tão temido squatting toilet

E vou dizer, não é tão ruim assim. Aliás, para nós mulheres, é até bem mais fácil do que aqueles malabarismos que estamos acostumadas a fazer para não sentar em privadas duvidosas. Juro que não saí do banheiro toda respingada de xixi e agora já estou até achando normal, mas é o máximo que eu consigo, nada de número 2 (apesar dos relatos dizerem que a posição facilita bem a vida nesse departamento).

E só mais um parêntesis sobre o banheiro, achar um desses aí é quase lucro. Tem um outro bem pior no qual as “necessidades” do coleguinha ao lado escorrem por baixo de onde você está abaixado, e raramente portas individuais estão envolvidas.

E ainda que as diferenças entre oriente e ocidente possam parecer grandes, mesmo entre nós temos alguns costumes bastante únicos. A prova disso é que umas americanas com as quais conversei ficaram CHO-CA-DAS quando eu contei que no Brasil a gente usa abacate para fazer vitamina (com açúcar). Para elas, abacate é coisa que se coloca no sanduíche e na salada (com sal e azeite).

Fazer o quê? O jeito é aproveitar que você está no quadrado do coleguinha para tentar coisas diferentes. Vai que você descobre que abacate é muito melhor com sal? Ainda não provei (tirando no guacamole), mas o que posso dizer por enquanto é que no quesito arroz, prefiro o nosso.

 

 

Eu e os outros ocidentais

Eu sou tímida pra caramba, tenho uma super dificuldade em fazer amizades assim do zero. Resultado: passei grande parte do meu tempo no Japão sozinha. Lá é muito fácil ser independente, chegar nos lugares sem a ajuda de ninguém, fazer tudo sozinho (mesmo sem falar japonês). Para não dizer que não fiz nenhum amiguinho, sempre que estava no albergue em Tóquio, conversava com o chileno do meu quarto (afinal, chilenos fazem amizade até com postes, né?), mas durante o dia, era cada um por si, fazendo o que bem quisesse.

Mas é claro que na China não é assim, e até o comportamento dos ocidentais é diferente por aqui, principalmente nas cidades menores. Rola quase uma necessidade de ajuda mútua, sabe? Só de se olhar na rua e perceber que você não tem olhinhos puxados, parece que a pessoa já quer dar um “oi”.

Em Pequim (e olha que era uma cidade grande), conheci um polonês que estava lá já a algum tempo a trabalho e não aguentava mais a China, nem nada relacionada a ela, tanto que acabamos jantando espaguete e falando sobre terremotos. Sem contar no grupo de mulheres completamente perdidas no metrô que, quando me viram, vieram direto pedir ajuda sobre qual trem pegar e só no meio da conversa se lembraram de perguntar se eu falava inglês.

Em Xian, em menos de cinco minutos de conversa com o americano com quem estava dividindo o quarto, ele me chamou para irmos juntos ver o exército de terracota no dia seguinte, além de me passar todas as dicas sobre Hong Kong.

Em Chengdu, estava pedindo informações sobre como chegar por conta própria no centro de pesquisa dos pandas na recepção do hostel e devia estar com uma cara meio preocupada enquanto ouvia a chinesa, porque um casal de habladores de español  (reconheci pelo sotaque, mas não sei de onde eram) que nunca tinha me visto antes fez questão de me tranquilizar e dizer que chegar lá era bem tranquilo.

Tiveram as americanas que conheci no trem a caminho de Luoyang. Elas estavam fazendo a viagem inteira com tudo organizado por guias, não precisavam nem pensar para escolher o restaurante onde iriam jantar. A única coisa que elas precisavam fazer sozinhas era pegar esse trem, e nossa senhora da internet, como elas estavam estressadas com isso. Acabamos passando a viagem toda jogando Uno e Adedanha (sim, ensinei e elas adoraram) e elas chegaram sãs e salvas na estação onde alguém esperava por elas com uma plaquinha.

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No trem com as americanas

E claro, teve o pessoal da trilha do Tiger Leaping Gorge. Afinal, depois de quase oito horas de caminhada com direito a subidas, descidas, precipícios, sol escaldante, chuva, e arco-íris, não tinha como não interagir com as pessoas que de qualquer jeito iriam dormir no mesmo quarto de albergue que você. E ainda tiveram mais algumas horas de caminhada no dia seguinte com cenas emocionantes de escada da morte, a ponte de madeira mais assustadora que eu já vi na vida, trilha escorregadia, e até um pulso quebrado. Depois de tudo isso, não tínhamos como não comemorar com um jantar descente (pelo menos os que não capotaram de cansaço).

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Entre mortos de cansados e feridos, salvaram-se todos

A China é um desafio para todo turista, principalmente para aquele que não quer (ou não tem dinheiro) para ter tudo facilitado por guias, mas isso não quer dizer que seja impossível, mesmo que de vez em quando você tenha que get by with a little help from your* friends (ainda que sejam amigos de cinco minutos).

Turismo e excursões

Viajar sozinha tem um pouco de tudo. Tem os dias em que você está se sentindo corajosa e aventureira. Pesquisa na internet, arranja um mapa, pega um ônibus normal com pessoas que estão indo trabalhar, se perde, pede informação para desconhecidos, e finalmente chega aonde queria, tudo por conta própria. Tem dias que você faz amizade no albergue e decide fazer a programação do dia em grupo, dividindo as responsabilidades, enquanto um está fazendo sinal para o táxi o outro está conferindo a localização no GPS. Mas tem dias que até o mais pão duro dos mochileiros pede arrego, não está a fim de trabalho, e paga por uma excursão com tudo incluído.

Com toda a minha restrição orçamentária e vontade de me virar sozinha ao máximo, até agora nessa viagem fiz esse tipo de tour duas vezes, e uma não poderia ter sido mais diferente da outra.

Na primeira, fui à Muralha da China. Graças ao guia que falava inglês (ou quase isso, já que ninguém conseguiu entender 100% do que ele disse naquele dia), todo o grupo era de ocidentais. Americanos, italianos, holandeses, ingleses… Colei num casal de alemães divertidíssimo e passamos a manhã andando pela muralha e fazendo graça. No almoço, sentamos todos numa mesa enorme, provando comidas exóticas e trocando impressões sobre a China. Um dia muito divertido.

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Não tiramos fotos juntos, mas Julie e Peter acabaram saindo em uma das minhas fotos por acidente

Na segunda, fui à Jade Dragon Mountain, uma montanha famosa na cidade relativamente pequena de Lijiang. A cidade é bem turística, só que para chineses. Os poucos ocidentais que eu vejo estão interessados em fazer um trekking super procurado que dura dois dias e não passam muito tempo explorando o restante da cidade.

Sabendo disso, não era para eu ter ficado tão surpresa quando a pessoa da recepção do albergue me falou que o guia da excursão falava chinês. “Tudo bem, a pessoa trabalha com turismo, alguma coisa em inglês ela deve falar, né?” Não na China. A primeira hora dentro da van foi um pouco torturante, com todas as outras pessoas falando em chinês o tempo todo e eu ali sem entender nada e já me arrependendo de ter gastado meu rico dinheirinho. O grupo era formado por um casal coroa, um casal de trinta e poucos anos de chapéu (sim, ambos) e um trio jovenzinho, e aparentemente ninguém iria se comunicar comigo o dia todo.

Quando chegamos na montanha para pegar o bondinho, o guia cismou que se repetisse tudo bem devagar eu iria entender. Mas aí veio a primeira reviravolta do dia: o casal de chapéu conseguia falar uma ou outra palavra em inglês, o suficiente para me passar algumas informações básicas tipo “esperar 11 horas bondinho”. Ao perceber isso, meu plano era passar o dia seguindo os dois para não me perder e ser esquecida na montanha, mas acabei nem precisando fazer a stalker ocidental estranha.

Normalmente em excursões assim, o guia passa o horário e um ponto de encontro e a partir daí é cada um por si, indo para onde quiser de forma independente. Só que dessa vez o grupo (que não se conhecia, é bom lembrar), decidiu andar junto o tempo todo, e meio que me adotou. Ficaram preocupados se eu tinha entendido as instruções de como montar o respirador de oxigênio e durante a subida, estavam sempre olhando em volta para ver se eu não tinha me afastado e perguntando se eu estava bem. Obcecados por fotos como só os chineses são, eles perguntaram várias vezes se eu não queria que eles tirassem uma foto minha e fizeram questão de me incluir na foto em grupo (e de me passar a foto depois).

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Eu no meio dos chineses

Claro que problemas de comunicação acontecem e quando o cara do chapéu falou que a garrafa de oxigênio tinha capacidade para 18 “respiradas” eu surtei. Não estávamos nem na metade do caminho e eu já tinha usado várias vezes. “Socorro! Vou morrer aqui em cima, ainda bem que eu paguei o seguro viagem mais caro com direito a remoção de helicóptero.” Mas foi apenas um probleminha de pronuncia e ele quis dizer 80 (viram, alunos, como faz muita diferença?). Ufa!

Depois disso inda teve o almoço, com muita mímica para me explicar como as coisas funcionavam e a tia coroa tentando encher a minha cumbuquinha de comida a cada cinco minutos.

Apesar da comunicação limitada, tive um dia incrível que eu dificilmente vou esquecer, e mudei completamente a ideia que eu tinha dos chineses. Quem diria que era só ir numa excursão para isso acontecer?

O primeiro aniversário

O dia foi tão corrido que acabei só pensando nisso pouco antes de pegar no sono, mas ontem (10/09/2016) fez um mês que eu comecei minha viagem chegando no Japão. Nunca pensei que um mês passaria tão rápido e, ao mesmo tempo, fosse ser tão cansativo.

Andei de barco, subi montanha, perdi a hora no vulcão, vi uma aprendiz de gueixa de verdade, fui sacaneada por não saber andar de bicicleta, fiz muita mímica, andei pela muralha da China, vi pandas fofíssimos, fiz amizades de um dia, perdi uma meia, comi coisas que eu não sabia nem se iriam ser doces ou salgadas, fui ajudada por desconhecidos (que às vezes nem falavam a mesma língua que eu), me livrei de ser enrolada por taxistas, visitei templos milenares, e tantas outras coisas que nem parece que foram só 30 dias.

Depois de 8 cidades, chego em Lijiang para mudar um pouco as coisas e fazer mais uma coisa que nunca fiz antes: vou ficar em um albergue trabalhando em troca de hospedagem. Pelos próximos 15 dias, nada de correr com o mochilão nas costas para pegar o ônibus nem ficar naquela expectativa infernal esperando ao lado da esteira do aeroporto pensando se dessa vez perderam a minha bagagem. Quase um descanso.

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Uma cama para chamar de minha pelas próximas duas semanas

Esperem uma pequena diminuição na quantidade de fotos postadas, mas um possível aumento de textos publicados. Quem sabe com esse tempo todo eu finalmente me acostumo com a culinária chinesa e aprendo a falar algo além de ni hao? Veremos.

 

Uma emoção chamada “chegar sem dinheiro”

Eu sou uma pessoa organizada. Com viagem então, eu beiro a paranoia. Sempre caí na estrada com tudo decidido, reservado e preparada para qualquer eventualidade. Tudo devidamente calculado e a moeda estrangeira já trocada para não me enrolar com o maldito iof do cartão.

Mas aí como faz quando você vai para vários lugares e não é prático (nem seguro) trocar todo o seu dinheiro em cada moeda que você vai precisar. Depois de muitas pesquisas no maravilhoso mundo da internet, descobri que a melhor alternativa para mim seria fazer saques com o meu cartão de débito em moeda local em cada lugar que eu chegasse. Na teoria, tudo lindo, mas na prática me rendeu meus primeiros momentos de tensão na China.

Já saí no Brasil com os meus ienes japoneses em mãos, já que era o primeiro lugar que eu iria, e, como sou quase de humanas, ainda estou tentando entender a magia que eu fiz para ter trocado uma quantidade tão exata de dinheiro (sério, só sobraram moedinhas). Ainda no aeroporto de Osaca, perguntei no balcão de informações, como quem não quer nada, se era possível sacar dinheiro nos caixas eletrônicos em moeda chinesa. Nada feito. Entrei no avião sem um tostão chinês no bolso e morrendo de medo, se algo desse errado não conseguiria nem sair do aeroporto.

Depois de finalmente pousar e passar por toda aquela burocracia da imigração, avisto um caixa eletrônico. “Ufa!”, pensei. Cheguei perto e logo na tela de entrada tinha a opção de menu em inglês. “Já deu certo!”. Coloquei meu cartão, fui seguindo as instruções e aparece o aviso ERRO. “Ops…O que será que eu fiz de errado?”. Tentei novamente, mesma coisa. Tentei com outros dois cartões, nada funcionava.

Fazendo o meu melhor para controlar o desespero, fui procurar outro caixa eletrônico. Por sorte aviso outros dois um pouco mais a frente. Me aproximo e ambos estão com plaquinhas FORA DE SERVIÇO. “Ai minha Lady Gaga, o que eu faço agora?” Bateu até um calor e tirei o casaco.

Decidi andar mais um pouquinho quando vejo lá no fim do corredor minha última esperança, uma última máquina quase escondida depois da curva. Lá vou eu novamente e “Aleluia, irmãos!”, as notinhas com a cara do Mao Tse-tung finalmente chegam nas minhas mãos e eu posso finalmente pagar pelo ticket do trem para chegar no meu hotel. Na verdade, pegar o trem, para pegar o metrô, trocar de linha no metrô, sair na estação certa, me achar super esperta por ter conseguido, me perder ao virar na rua errada, me achar uma idiota já que é obvio que o Google Maps não funciona aqui, pedir penico e entrar num táxi.

Sim, aqui já começa com emoção…

Tchau, Pikachu!

Nesse momento estou no trem a caminho do aeroporto de Osaka e me despedindo do Japão. Ainda não consigo ter a mínima ideia de como as coisas serão na China, mas aqui foi como eu sempre sonhei. Mais ou menos.

Sim, todos são sorridentes e prestativos. Sim, é tudo muito limpo e organizado. Sim, as crianças são fofas. Sim, dá um pânico quando você vê a quantidade de estações de metrô, mas no fim dá tudo certo. Não, eles não falam inglês com muita desenvoltura, mas todo mundo se entende.

Mas olha, eu realmente não estava preparada para o calor, sempre achei que o clima aqui seria mais ameno. E os insetos! Quantas libélulas, borboletas e cigarras voando para todos os lados (pena que dificilmente ficavam quietinhas para as fotos)! Ainda bem que a minha irmã não está aqui, porque até eu fiquei meio impressionada com a quantidade de aranhas.

Também descobri uma coisa sobre mim: não, eu não gosto de comida japonesa. E eu nem estou falando de Sushi. Alguém precisa apresentá-los aos temperos, galera, sério, um pouquinho de alho não faz mal a ninguém. Só não precisa mexer no Ramem. Tá ótimo, continuem assim. E vamos também maneirar no sabor chá verde, tudo bem que eu não curto, e nem adianta tentar na versão chá, suco, smoothie, sorvete, bolo, bala, pão, nem macarrão.

Em 19 dias na terra do sol nascente teve templo, castelo, palácio, templo, jardim, parque, e já falei dos templos? E o mais legal foi ver que eles não estão ali só para os turistas, de vez em quando aparece alguém para dar uma rezadinha rápida antes do trabalho.DSCN0157

Chegou a hora de dar adeus ao Japão e oi para a China. Seja o que Buda quiser!

Sabadão no parque

Muitas coisas podem acontecer num sábado preguiçoso no parque.

Você pode, por exemplo, estar andando calmamente na beira do lago tentando fotografar uma bela flor de lótus quando quase é atropelada por uma horda de caçadores de Pokemóns correndo atrás de algum monstrinho raro. Juro, de repente era muita gente andando na direção contrária a minha com celulares em punho, alguns correndo, justamente numa parte não muito larga do caminho. Achei que seria levada pela corrente, mas consegui me manter no lugar graças a um poste que me protegeu.

Aliás, você pode aproveitar o wifi do museu ali do lado para caçar uns Pokémons também, porque ninguém é de ferro e tem bem um Psyduck aqui dando sopa. Só não pode ir muito longe. Chegou no lago, acabou o sinal. Nunca vou conseguir chocar meus ovos assim…

Você pode também ser ousada e comer um negócio que você nem sabe o que é, mas já que estava com uma cara boa e um monte de gente comprando, porque não, né? Podia ser melhor? Podia. Mas deu para comer tudinho e ainda foi uma pechincha.

Você pode (quase) manter um diálogo com um senhorzinho japonês que não fala inglês. Enquanto eu estava sentada comendo minha comida estranha, o tal senhorzinho falou qualquer coisa em japonês pra mim e pela cara que eu devo ter feito ele entendeu que eu estava boiando e apontou para a minha tatuagem. Depois abriu a bolsa e tirou umas fotos de pessoas tatuadas no estilo tradicional japonês para me amostrar, era fotógrafo pelo jeito. Ele também elogiou o jeito que eu estava segurando o hashi (ou estava me sacaneando por estar fazendo muito errado, nunca saberei) antes de voltar a alimentar os passarinhos.

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O senhorzinho fazendo a alegria dos pássaros

Você pode ainda andar sem rumo pelo parque e encontrar um templo bem lá no meio. Nada estranho em se tratando de Japão. Mas o que esse templo tinha de especial é que estava acontecendo uma cerimônia lá dentro. Fiquei em um cantinho perto da porta para ver um pouquinho e não atrapalhar ninguém, mas eis que chega um monge e faz sinal mostrando que eu posso chegar mais perto para ver melhor.

Muitas coisas podem acontecer num sábado preguiçoso no parque, mas tudo parece mais mágico se você está no Japão.